Especialistas indicam melhores opções. Entre as sugestões estão títulos públicos pós-fixados, títulos de inflação com isenção tributária e fundos de crédito
No período de um ano, a renda fixa deixou para trás a pecha de “patinho feio” do mercado financeiro e se tornou uma alternativa de investimento rentável e desejada. A reviravolta teve o Banco Central como protagonista: depois de manter os juros básicos da economia, a famosa Selic, no nível mais baixo da história até março, a autoridade monetária deu uma guinada para cima que surpreendeu agentes financeiros e exigiu mudanças drásticas nas carteiras dos investidores.
A Selic foi de 2% ao ano para 9,25% – patamar atual – em apenas nove meses. O reflexo disso se viu nos fluxos de investimentos para a renda fixa, que voltaram a crescer, após vários meses de retiradas. No acumulado do ano, até dia 10 de dezembro, os depósitos líquidos (descontados os saques) em fundos de renda fixa somavam R$ 275 bilhões, em valores nominais.
Se a tendência permanecer nos dias que faltam até o fim de dezembro, o valor será recorde. Os fundos de renda fixa nunca captaram tanto dinheiro quanto neste ano, considerando a série histórica da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), iniciada em 2002.
Ajudadas pela elevação da Selic, as negociações de títulos públicos pelo Tesouro Direto também tiveram um ano positivo. Depois de os resgates superarem os depósitos em R$ 735 milhões em janeiro, a situação se reverteu drasticamente no fim de 2021. Dados do Tesouro Nacional de outubro, os mais recentes disponíveis, apontam que a captação líquida chegou a R$ 1,92 bilhão no mês, a maior de toda a série histórica, iniciada também em 2002.
Marília Fontes, sócia-fundadora da Nord Research, diz que em 2021 o mundo sentiu o impacto inflacionário da pandemia, ao contrário do primeiro ano, que foi de contração das economias. Com os preços subindo em ritmo galopante, a condução de política monetária mudou radicalmente, mexendo com as taxas dos títulos públicos.
“Nós estávamos com a Selic a 2% ao ano. O BC teve que fazer um ciclo bem alto de ajuste. Os títulos de renda fixa refletiram esse aumento inesperado das taxas. No meio desse cenário, ainda tivemos uma flexibilização do teto, o que ajudou a fazer com que os juros subissem mais”, observa.
Para o dinheiro novo que está sendo aplicado na renda fixa, a notícia é boa – a remuneração, afinal, aumentou bastante. Mas para quem já tinha investimentos há mais tempo, o “chacoalhão” nas taxas pesou, trazendo prejuízo principalmente aos títulos prefixados e atrelados à inflação.
A razão é a chamada marcação a mercado. A taxa de juros oferecida por um título de renda fixa tem uma relação inversa com o seu valor de negociação no mercado. Quando as taxas sobem, como ocorreu ao longo deste ano, os papéis com juros mais baixos que já estavam na carteira dos investidores perdem valor, porque seu preço diminui. Mas o contrário também é verdadeiro.
Por isso, quatro títulos públicos disponíveis hoje para negociação no Tesouro Direto acumulam desvalorização em 2021, período em que os juros subiram. Mas como ao longo de dezembro houve ajustes nas taxas, que reduziram um pouco, os mesmos títulos apresentam valorização no mês. É a situação dos papéis Tesouro Prefixado 2026, Tesouro Prefixado 2031 com juros semestrais, além do Tesouro IPCA+ 2035 e 2045. Confira os detalhes:
Para fins de comparação, em janeiro deste ano, as taxas do Tesouro Prefixado 2031 com juros semestrais, por exemplo, giravam em torno de 7,47% ao ano. Na terça-feira (14), os juros oferecidos pelo mesmo título eram de 10,47% ao ano. O mesmo ocorreu com outros papéis, como o Tesouro IPCA+ 2045, que viram os retornos reais subirem de 3,38% para 5,00% ao ano durante o mesmo período.
Arrancada na renda fixa privada
O aumento da Selic também gerou novos fluxos para os papéis de renda fixa emitidos por empresas, que aproveitaram a gradativa melhora da pandemia para diversificar a maneira de tomar dívida. Para além dos mercados de capitais, cresceram também as ofertas do mercado de crédito corporativo ao longo deste ano.
A maneira mais comum utilizada pelas empresas para se financiar foi a emissão de debêntures. Dados da Anbima mostram que apenas em novembro foram captados R$ 38 bilhões, o que representa 66% do montante total ofertado no mercado de capitais no período.
Já no acumulado do ano até novembro, o volume chega a R$ 225 bilhões. Em todo o ano passado, as captações somaram pouco mais da metade disso: R$ 121 bilhões.
“Com a chegada das eleições boa parte das empresas decidiu antecipar as ofertas porque o cenário poderia piorar. As companhias aproveitaram também para alongar os prazos das dívidas”, pontua Daniel Pegorini, CEO da Valora Investimentos.
O movimento não é único das debêntures. Também aumentaram as ofertas de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) e do agronegócio (CRAs). Números da Anbima mostram que as captações de CRAs somaram cerca de R$ 3 bilhões em novembro, enquanto as de CRIs chegaram a quase R$ 2 bilhões no mesmo período.
No acumulado do ano, o volume de captação de CRIs, por exemplo, já alcança quase R$ 27 bilhões, percentual superior aos R$ 15 bilhões registrados em 2020 inteiro, segundo a Anbima.
2022: será o ano da renda fixa?
Após um período de fortes captações e de grande fluxo para produtos mais conservadores, o ano de 2022 promete seguir com o movimento positivo e ser, mais do que nunca, o ano da renda fixa. Marília, da Nord Research, explica que a classe de ativos pode servir como grande trunfo em um período marcado pela forte volatilidade. “O melhor é prezar pela segurança”, destaca.
Nesse sentido, a principal aposta da especialista está nos pós-fixados, especialmente papéis de curto prazo, como é o caso do Tesouro Selic 2024, que poderia ser beneficiado pela elevação da Selic – que pode terminar o ano que vem em 11,50% ao ano, conforme o último Relatório Focus, do Banco Central.
“Ainda não é o ano de se posicionar em ativos de longo prazo. Os candidatos têm todo o incentivo para tocar em temas relativos ao cenário fiscal”, avalia. “Daqui a pouco, esse título [Tesouro Selic] vai pagar juros de dois dígitos e entregar retornos de cerca de 1% ao mês. Logo, não há razão para correr mais risco”, questiona.
Embora o cenário exija cautela, a equipe da XP também não descarta alocar uma parte da carteira em títulos prefixados e pós-fixados atrelados à inflação. Em relatório divulgado a clientes, os analistas da casa destacaram que papéis como o Tesouro IPCA+ podem se beneficiar em um cenário de alta de juros, ainda que em menor magnitude, porque oferecem uma proteção contra a inflação para investidores que mantém o título até o vencimento.
Os prefixados, por sua vez, também podem ser atrativos para prazos até três anos, avaliam os especialistas da XP. Nesse caso, a sugestão é optar pelo Tesouro Prefixado 2024, que é o único título disponível hoje para compra e que possui prazo dentro do sugerido pelos analistas da casa.
“Em caso de redução na percepção de risco no País, [os prefixados] tendem a se valorizar antes do vencimento, o que pode representar uma possibilidade de ganho (mas isso não é garantido)”, afirma a equipe da XP.
Renda fixa privada
Já quem estiver disposto a tomar um pouco mais de risco de crédito pode optar por Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e do Agronegócio (LCAs), sendo que as duas últimas são beneficiadas pela isenção de Imposto de Renda.
“Os bancos estão oferecendo taxas bem atrativas. A preferência é por papéis pós-fixados atrelado ao CDI e de no máximo dois anos pra evitar correr mais risco”, pondera Marília, da Nord Research, para quem a taxa mínima de retorno oferecida é de 105% da taxa do CDI (certificado de depósito interbancário). “Já há várias opções com esse nível de retorno”.
Há oportunidades também entre os papéis de crédito corporativo atrelados à inflação e que também apresentam isenção tributária, como debêntures incentivadas, CRIs e CRAs. Ao contrário dos papéis bancários, no entanto, eles não possuem a segurança do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
A preferência, explica Ciro Matuo, head de renda fixa na área de research do Itaú BBA, se dá porque há mais papéis corporativos atrelados à inflação, e o retorno do CDI perdeu para a inflação durante boa parte deste ano. As perspectivas, no entanto, são de que o CDI avance mais em 2022. Mesmo assim, o investidor estaria protegido pela inflação.
Outro ponto, afirma Matuo, é que esse tipo de papel possui uma parte indexada à inflação e que não é conhecida, além de uma que é “travada” assim que o investidor adquire o título. “A vantagem é que a parcela atrelada ao IPCA também é isenta de imposto”, destaca.
Na hora de selecionar os ativos, Matuo avalia que há boas oportunidades em empresas de transmissão de energia elétrica porque as companhias costumam ser remuneradas pelas linhas no mesmo patamar, independentemente da quantidade de uso delas.
Na carteira recomendada pelo banco de dezembro, há três debêntures incentivadas que pertencem ao segmento de transmissão: uma da Engie Brasil (EGIE27), uma da Light (LIGHD2) e outra da Taesa (TAEE17). Todas têm vencimento entre 2028 e 2044 e oferecem taxas reais entre 5,3% e 5,8% ao ano.
O portfólio sugerido pelo Itaú BBA conta ainda com três CRAs, sendo que um deles é da JBS (CRA019005KC), frigorífico líder no Brasil; outro é da Klabin (CRA019001E7), produtora de papel e celulose; e o terceiro é da Raízen (CRA017008SS). Todos possuem vencimento entre 2024 e 2029 e juros reais de 5,4% e 5,7% ao ano.
Em sua justificativa, Matuo diz que os títulos da JBS estão atrativos porque a empresa possui baixo risco de crédito e oferece uma diversificação geográfica, considerando que tem forte exposição ao mercado americano. “É uma empresa que costuma ser mais resiliente em um cenário que pode ter maior volatilidade”, acrescenta.
Ao comentar sobre a Klabin, o executivo do Itaú BBA observa que a companhia tem baixo endividamento, encerrou um ciclo de investimentos e também possui forte exposição ao exterior. “Além disso, é um papel que está exposto ao setor de embalagem, o que pode ser positivo”, diz.
Queda nos spreads
Embora haja oportunidades em papéis de crédito privado, especialistas ouvidos pelo InfoMoney não escondem que os spreads – como são chamados os juros a mais que o investidor recebe por aplicar em papéis de maior risco (e não em opções conservadoras) – recuaram bastante desde o começo do ano.
Isso não impacta apenas os papéis diretamente, como também os fundos de crédito privado, que aplicam nesses tipos de produtos. Na opinião da equipe de análise da XP, o cenário, no entanto, deve seguir positivo em termos de retorno – embora talvez não se veja mais uma remuneração como a de meses atrás.
“Se olhar a lâmina dos últimos 12 meses, vai ver que a rentabilidade veio alta porque os spreads estavam mais elevados e foram fechando [caindo]. O melhor agora é olhar o desempenho dos últimos quatro meses”, pondera Pegorini, da Valora Investimentos.
Outro ponto que deve ser levado em conta, observa, é que o movimento que fez os fundos de crédito privado com prazos de resgate de curto prazo (D+0 ou D+1) apresentarem retornos melhores do que os de prazo mais longo (D+30 em diante) não deve seguir nos próximos meses.
“Numa situação normal, um fundo D+0, ou D+1 tem muita liquidez, mas tem menor eficiência, porque 80%, por exemplo, está alocado em caixa. Já nos de prazo mais longo, isso é algo por volta de 25%, o que permite obter retornos mais expressivos”, pondera Pegorini.
Para Cal Constantino, head de renda fixa da Santander Asset, a expectativa é que os fundos de crédito privado continuem a ver a queda nos spreads. “Vai continuar entrando dinheiro e a demanda vai seguir elevada no ano que vem. Logo, eles [spreads] devem seguir fechando, mas ainda vão permanecer em um patamar acima de 2019 [pré-pandemia], ou seja, razoável”, avalia.
Portfólios mais “leves”
Diante de um cenário mais incerto, com a aproximação das eleições e expectativa de que os bancos centrais sigam retirando estímulos econômicos, a situação exige cautela. Essa deve ser, inclusive a palavra de ordem para 2022, segundo Constantino.
“Temos tantos ruídos que é bom manter o risco [na carteira] bem baixo e estar sempre atento às oportunidades”, pondera o executivo da Santander Asset.
Para isso, as maiores apostas estão em fundos de renda fixa de gestão ativa ou em fundos de crédito. Na hora de escolher o indexador, como o CDI ou a inflação, ele diz que para o curto prazo, a preferência deve ser por fundos que possuem a remuneração ligada ao CDI. Isso porque a relação de risco e retorno nesses casos pode ser mais favorável, devido à alta da Selic.
As projeções da asset apontam que a taxa básica de juros deve terminar 2022 em 11,75% ao ano. Ao contrário do que vem precificando o mercado, a Selic não deve sofrer novos cortes em 2022, diz o especialista. “Acreditamos que ainda é cedo para falar. Há muita incerteza pela frente para sabermos a partir de quando ela poderia ser cortada”, afirma.
Para quem consegue tolerar prazos de investimento maiores, diz Constantino, a opção deveria ser por fundos de renda fixa com a remuneração atrelada à inflação.
Fonte: InfoMoney