A adoção do automóvel como principal meio de transporte passou a ser vista por muitos brasileiros como mais uma forma de prevenção ao novo coronavírus. Por medo de contágio, muitos usuários saíram do ônibus e do metrô para entrar no carro.
A médica Lívia Medeiros, que trabalhou em dois hospitais de campanha no Distrito Federal, disse que não viu outra opção. "Na minha profissão, há mais riscos se eu pegar transporte público ou de aplicativo, pois só trabalho com [infectados pela] Covid-19. Posso ser um potencial vetor de transmissão e oferecer perigo à sociedade."
Recém-formada, Lívia comprou seu primeiro carro este ano e também passou a organizar seus plantões para horários de menor fluxo no trânsito. "Ter um automóvel me dá liberdade, vou para o trabalho com mais facilidade, além da maior proteção na pandemia."
Tanto para profissionais da linha de frente quanto para quem mudou por outras razões, predomina a ideia de que o automóvel oferece mais "blindagem" contra o vírus.
"Quem voltou para o carro foi em busca de mais segurança e um mínimo de confiabilidade", diz a urbanista Júlia Solléro, uma das fundadoras do Coletivo MOB, projeto de remodelação do uso do espaço público no Distrito Federal.
Em contraste com países como França e Espanha, que investiram em intervenções táticas, como fechamento de ruas e ampliação de calçadas, no Brasil o carro foi o meio de transporte mais valorizado em 2020. O histórico de transportes coletivos lotados e a falta de incentivo à mobilidade ativa, como a bicicleta, ajudaram a consolidar o cenário.
A designer educacional Dariana Farias, 28, afirma que a necessidade a fez comprar seu primeiro carro em abril deste ano. Antes da pandemia, ela só usava transporte público ou por aplicativo, mas precisou migrar para o automóvel depois que se mudou para o norte da ilha de Florianópolis.
"Nunca tive vontade nem necessidade. Pensava "mais um carro no mundo, mais poluição". Mas, quando me mudei, não tinha mais condições de pagar aplicativo e passava 2 horas e 40 minutos dentro do ônibus para ir ao centro", diz.
Dariana não é a única a fazer esse movimento. Somente em agosto, com a maior flexibilização das medidas contra a Covid-19, houve um aumento de 10,6% na venda de carros usados e seminovos em comparação com o mês de julho, segundo a Fenauto (Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores). O número de unidades passou de 1,1 milhão para 1,2 milhão.
A realidade de Dariana e de tantos outros ilustra o entendimento de especialistas de que uma mudança duradoura na mobilidade só pode acontecer quando outros meios de transporte forem tão bons ou melhores que o carro.
"Não podemos criminalizar o automóvel. Ainda não oferecemos o necessário para que o cidadão migre do individual para o coletivo", afirma o superintendente de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Florianópolis, Major Thiago Vieira. "Temos que entender por que se opta pelo carro, fazer correções e assim equilibrar o sistema."
Embora especialistas concordem que é fundamental investir em transporte coletivo e na mobilidade ativa, o carro deve continuar sendo por muito tempo uma opção de transporte, declara Vieira. "E, como tal, ele precisa ser levado em conta no planejamento urbano."
Assim, a solução é pensar alternativas seguras e sustentáveis que coloquem os automóveis em harmonia com outros modos de deslocamento.
Os aplicativos de transporte, o compartilhamento de automóveis e as caronas são alternativas viáveis para o uso mais sustentável do carro.
A vendedora Arlene Camargo optou pela carona, que divide com o chefe e uma colega no trajeto de casa até o trabalho, no centro de Florianópolis. "A carona começou quando os ônibus pararam, mas continuamos porque é mais vantajoso. Mesmo se eu pudesse ir de carro sozinha, não iria, por uma questão de logística e de economia."
Em pesquisa de 2019, realizada pela Ipsos por encomenda da empresa 99, 21% dos entrevistados disseram estar dispostos a abrir mão do carro próprio para diminuir gastos.
Como melhorar a mobilidade
- Integração multimodal
- Construção de bicicletários integrados a terminais de transporte coletivo e de ciclovias
- Vias exclusivas Investimento na implantação de faixas exclusivas para tráfego de ônibus, BRTs ou VLTs
- Mais proximidade Promoção de adensamento urbano e políticas de habitação visando eliminar grandes deslocamentos para trabalho e lazer.
Fonte: Fenabrave