A economia brasileira cresceu forte entre julho e setembro, mas não o suficiente para zerar as perdas sofridas no auge da pandemia do coronavírus.
A atividade no terceiro trimestre foi 7,7% maior do que o verificado entre abril e junho. A equipe econômica do governo Jair Bolsonaro acredita que esse desempenho garante um 2021 de crescimento, sem a necessidade de auxílios. Especialistas ponderam, no entanto, que as incertezas sobre uma nova onda de Covid no país e dúvidas sobre o futuro processo de vacinação da população podem comprometer o ritmo dessa recuperação.
Caso o Brasil esteja diante de um repique da doença ou de uma segunda onda de contaminação, a economia pode sofrer um novo baque.
- O primeiro impacto, embora os dados oficiais ainda não apontem isso, é a redução do fluxo de pessoas em centros urbanos. O segundo impacto pode vir caso cidades ou estados precisem decretar novas medidas de isolamento total - afirmou a economista-chefe da GAP Asset, Anna Reis.
Os dados divulgados ontem pelo IBGE mostram que o país saiu da chamada recessão técnica, quando a atividade registra dois trimestres seguidos de retração. Mas a economia ainda acumula uma queda de 5% no ano.
INDÚSTRIA E CONSUMO O desempenho da indústria foi o grande destaque do trimestre: um avanço de 14,8% na comparação com o período de abril à junho. O setor de serviços também andou bem, com expansão de 6,3%. Apenas a agropecuária registrou queda de atividade entre julho e setembro, de 0,5%. Ainda assim, o campo é o único segmento que acumula expansão neste ano.
A retomada da demanda interna por bens foi mais rápida do que o previsto. Uma vez que parte da população não pôde consumir serviços, consumiram bens.-disse Anna Reis, da GAP Asset.
Chama atenção o crescimento de 23,7% no segmento de transformação, que voltou ao patamar do primeiro trimestre. O setor de serviços, no entanto, não conseguiu voltar ao nível pré-pandemia porque, embora a maior parte das restrições tenha sido revertida, as pessoas seguem receosas de ir ao cinema ou à academia, ponderou Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE: -A indústria de transformação e a indústria como um todo já voltaram ao patamar do primeiro trimestre do ano. O mesmo acontece com o comércio. Mas, quando olhamos para os serviços, vemos que eles estão no patamar do começo de 2017, número semelhante ao total do PIB.
Em 2017, a economia brasileira começava a voltar a crescer, depois da recessão sofrida entre 2014 e 2016.
O economista-chefe do Bradesco, Fernando Horonato, esperava um avanço mais forte da economia no terceiro trimestre, mas o fato de o resultado ter ficado abaixo da média das projeções do mercado não gerou frustração: - Os componentes qualitativos do PIB não foram piores do que o esperado. O que a gente mede bem, como comércio e indústria, foi bem. O fato de a indústria ter vindo bem foi encorajador - disse.
O pagamento do auxílio emergencial foi um fator que contribuiu para o avanço de 7,6% no o consumo das famílias e para o aumento da poupança, que chegou a 17,3%.
O auxílio foi bem importante. Não temos como detalhar este impacto separadamente, mas vemos que ele foi muito focado na alimentação. Isso beneficia o comércio e a indústria -disse Rebeca.
O diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, José Ronaldo de Castro Souza Júnior, concorda: -Se não tivéssemos tido a manutenção da renda pelo pacote emergencial, dificilmente teríamos uma recuperação de consumo tão rápida.
O aumento da taxa de poupança reflete, segundo especialistas, um espírito de cautela que tomou conta de parte das famílias na crise.
Estimativas revistas
Os investimentos, medidos pela chamada taxa de formação bruta de capital fixo, subiram 11% no trimestre, mas os técnicos do IBGE dizem que é preciso avaliar com cuidado o número, considerando o tombo de 16,5% visto entre abril e junho. No acumulado do ano, o indicador ainda está negativo em 5,5%.
As exportações tiveram queda de 2,1%, enquanto as importações caíram 9,6% em relação ao segundo trimestre.
Diante do desempenho do terceiro trimestre, alguns bancos e corretoras já começaram a revisar suas estimativas para 2020 e 2021.
O Santander, que previa contração de 4,8% para o pais neste ano, agora vê uma queda próxima de 4,6%.
Se houver decisão governamental de manter o regime fiscal e o teto de gastos(regra que limita o avanço das despesas públicas), haverá recuperação gradual, com a economia crescendo um pouco abaixo de 3,5% -disse Lucas Maynard, economista do banco.
A consultoria Tendências, que aposta numa queda de 4,5% do PIB em 2020, estima um avanço mais tímido no ano que vem, de 2,9%.
- O mercado de trabalho ainda tem reação tardia e existe um medo da pandemia crescendo, com novas medidas de restrição. Isso pode afetar o PIB do quarto trimestre de 2020 e o do primeiro trimestre do ano que vem -afirmou o analista Thiago Xavier.
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"A indústria ter vindo bem foi encorajador" Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco
"Se mantiver regime fiscal e teto de gastos, haverá recuperação gradual", Lucas Maynard, economista do Santander
Fonte: Fenabrave