Nos últimos anos, o mundo passou por intensas mudanças. Se antes o ritmo industrial ditava relações de emprego, avanço da tecnologia, entre outros valores, atualmente podemos dizer que passamos por diversas mudanças que mudaram para sempre a forma com que interagimos com o mundo.
O fator produção, por muito tempo, foi o grande motivo para se pensar em construir uma carreira ou até mesmo consumir. Com a chegada da internet, aos poucos esse processo foi se alterando e inserindo novos players no cenário econômico.
Nesse novo cenário, a economia criativa passou a ter um grande peso na forma com que nos relacionamos com o trabalho e o consumo.
Mas, antes de tudo: o que é economia criativa?
Economia criativa é o conjunto de negócios e atividades que estão baseados na criatividade, sempre ancorados na cultura e no capital intelectual, mas que se ramificam para outras áreas de atuação.
Diferentemente de indústrias tradicionais, a economia criativa leva em consideração os ciclos de criação, produção e distribuição de bens baseados no intelectual.
Consideremos, por exemplo, uma banda de rock, que se encaixa no conceito de economia criativa. Para que possa fazer com que o dinheiro circule, existem diversas etapas: da composição das músicas, formação dos grupos, gravação musical, estrutura de palcos, divulgação e realização de shows, são envolvidos diversos profissionais, que retroalimentam a economia do setor.
Ao mesmo tempo em que se tem os artistas que realizam os concertos, existe toda uma estrutura por trás que dá apoio, possibilitando o surgimento de outros negócios. Quando um festival de música é realizado, não são apenas os músicos que ganham dinheiro: existem os produtores, assistentes de palco, comerciantes que vendem seus produtos no local e empresas que expõem a sua marca nos stands, com pessoas contratadas realizando o trabalho junto ao público.
Para que você entenda um pouco melhor a dinâmica da economia criativa, iremos explicar com mais detalhes.
Importância da economia criativa
Apresentando um crescimento constante nos últimos anos, a economia criativa é responsável por 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, gerando mais de 1 milhão de empregos formais.
Aliás, a economia criativa também envolve diversos setores e atividades, como turismo, tecnologia e telecomunicações. Ainda segundo a Secretaria Especial da Cultura: “Constituem, portanto, um front de promoção de desenvolvimento. Cultura gera renda, gera emprego, gera inclusão, gera desenvolvimento. Acima de tudo, gera futuro. Trata-se de um vetor de aceleração da economia do país, com muitas externalidades positivas”.
Por sua participação no PIB e por gerar inúmeras oportunidades de renda, a economia criativa tem ganhado cada vez mais relevância. Mais e mais pessoas se vêem atraídas em colaborar para que trabalhos criativos cheguem a um público mais abrangente, fomentando a cultura.
A economia criativa é uma das maiores apostas que formam um novo hábito de consumo não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
Isso porque, embora a economia criativa tenha como base o capital intelectual, ela ajuda a empregar diversas pessoas, que não necessariamente trabalham com criatividade.
Para que você consiga compreender melhor, iremos dar outro exemplo de funcionamento. Vamos utilizar um programa de televisão como exemplo. Sua base é constituída de capital intelectual: um programa tem critérios artísticos, com o objetivo de atingir um público-alvo para, então, atrair patrocinadores à medida em que conquista novos telespectadores.
Para um programa de TV ir para o ar, é necessário uma série de operações complexas. Além dos roteiristas e apresentadores, por exemplo, é preciso ter pessoal dedicado para gravação do programa, montagem de palco, iluminação, operador de teleprompter, produtores responsáveis por trazer convidados, relacionamento com os patrocinadores, organização da programação, entre diversas outras frentes.
Trata-se, então, de uma cadeia de trabalho que envolve operadores de câmera, especialistas em iluminação, contrarregras, produtores, diretores, funcionários responsáveis pela limpeza do estúdio, copeiros, enfim, uma série de profissionais necessários para fazer com que o programa realmente aconteça.
Todos eles são remunerados por conta da ‘roda’ girada pela economia criativa: se o programa de TV dá certo, são maiores as chances de se ter contrato renovado, receber uma verba maior do patrocinador - ou, quem sabe, conquistar outros novos! E, assim, o programa ajuda a ampliar o número de funcionários, criando um ciclo virtuoso típico da economia criativa, em que tanto os criadores são beneficiados, como a cadeia de produção ao seu redor.
Além de exemplos como música e televisão, que exemplificam bem os meios artísticos, a economia criativa está presente em diversas outras áreas. Vamos mostrar as principais, confira o texto a seguir.
Setores da economia criativa
Há pelo menos 30 anos, poucas pessoas diziam ter o privilégio de fazer parte da economia criativa. O fato é que esse termo se popularizou há pouco tempo. Porém, diversas áreas têm se beneficiado disso, gerando boas oportunidades de emprego e de desenvolvimento social e tecnológico.
A seguir, vamos apresentar os principais setores que compõem a economia criativa.
Consumo
O consumo responde a principal área criativa quando se analisa a quantidade de trabalhadores formalmente empregados. Na verdade, é até fácil entender seu motivo: esse setor praticamente faz o contato direto do público com diferentes tipos de obra em uma relação compra e venda.
A maior quantidade de profissionais do segmento de consumo está concentrada na parte de engenheiros civis, arquitetos e afins, que respondem por mais de 78 mil empregos diretos.
Em seguida, a área de publicidade e marketing está bem representada com analistas de negócios (quase 40 mil profissionais) e analistas de pesquisa de mercado, com 31,7 mil profissionais em todos os estados.
Os profissionais mais bem remunerados da categoria são diretor de marketing (com salário médio mensal de R$23,8 mil) e diretor de contas (R$11,5 mil de salário). Os engenheiros e arquitetos também aparecem na lista, com salário médio de R$9.500.
Cultura
Apesar de ser o nome mais associado ao termo economia criativa, a parte de cultura permanece como a menor área de toda a indústria criativa. Isso porque ela depende de investimentos externos, que vêm de empresas de grande porte e do setor público para que possam atingir uma grande quantidade de pessoas.
O setor cultural envolve diversos profissionais como atores, músicos, diretores e até mesmo gastronomia.
Segundo dados de 2017 da Firjan, o segmento contava com cerca de 65 mil profissionais, que são divididos em:
Expressões Culturais: Artesanato, folclore e gastronomia.
Patrimônio & Artes: Serviços culturais, museologia, produção cultural e patrimônio histórico.
Música: Gravação, edição e mixagem de som; criação e interpretação musical.
Artes Cênicas: Atuação; produção e direção de espetáculos teatrais e de dança.
Como a gastronomia integra a parte de cultura, ela domina com folga a quantidade de profissionais dedicados do setor com os chefes de cozinha, que geram 16.300 empregos em todo o país. Em segundo lugar aparecem os gerentes de serviços culturais (6.700 ao todo) e os chefes de bar, com 5.900 profissionais.
As profissões mais bem remuneradas são: atores, com salário médio de R$20,6 mil; diretores teatrais, que ganham em média R$ 10,3 mil; e diretores de serviços culturais, com média de R$ 7.400.
Mídias
Cerca de 95 mil profissionais brasileiros compõem o setor de mídias, que engloba tanto os meios tradicionais (como livros, rádio e televisão), como os meios digitais (para quem trabalha com produção de conteúdo para internet, por exemplo).
Nos últimos anos, houveram transformações importantes no setor que afetaram bastante os trabalhadores do meio. Uma delas foi a digitalização dos jornais, por exemplo. Isso mudou bastante o segmento de assinaturas e fez com que empresas importantes do setor alterassem seu modelo de negócio por completo. Muitos anunciantes deixaram de investir nesse meio, que teve que se reinventar para utilizar as páginas na web como fonte de renda por meio de assinaturas e novos contratos com anunciantes.
A seguir, veja como é dividido o setor de Mídias dentro da economia criativa:
Editorial: Engloba edição de livros, jornais, revistas e conteúdo digital.
Audiovisual: Desenvolvimento de conteúdo para TV e internet, distribuição, programação e transmissão.
Entre as profissões mais numerosas da categoria estão a de locutores de rádio e televisão, responsáveis por mais de 10 mil empregos. Jornalistas, editores de texto, assessores de imprensa e montadores de filmes aparecem na sequência.
Porém, quando se observa os maiores salários, a área que domina é a audiovisual, representada por diretores de programas de TV, que ganham em média R$ 19,4 mil, e autores/roteiristas, com média de R$ 13,8 mil. Em terceiro lugar entra o diretor de redação, cargo máximo da linha editorial, com salário médio de R$ 10,4 mil.
Tecnologia
O setor de tecnologia é um dos que têm apresentado maior índice de crescimento nos últimos anos. Para se ter uma ideia, é um segmento bastante dinâmico, que passa por diversas transformações a cada ano que passa.
Segundo estimativas, o setor de tecnologia possui mais de 310 mil trabalhadores formais. Só que, de acordo com o Tech Report 2020, estudo realizado pelo Observatório da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE) e pela Neoway, com apoio da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), existem diversas empresas que não são de tecnologia que têm demandado uma quantidade elevada de profissionais do setor.
Se antes as empresas contavam com consultorias ou empresas especializadas em Tecnologia da Informação para dar conta da infraestrutura tecnológica do setor, cada vez mais essa realidade vem se alterando, com equipes inteiras sendo montadas em indústrias de setores tradicionais, como logística, vestuário, energia, mercado financeiro, entre muitos outros.
Essa mudança tem ajudado as empresas a se adaptarem à nova realidade digital. Por outro lado, diversas startups já nascem com o conceito digital first, considerando o alto uso de aplicativos, endereços na internet e servidores em nuvem.
A seguir, confira a separação dos profissionais de tecnologia na economia criativa:
Pesquisa e Desenvolvimento: Conhecida no mundo corporativo como P&D, esta área está relacionada ao desenvolvimento experimental e à pesquisa em geral (exceto biologia).
Biotecnologia: Bioengenharia, pesquisa em biologia e atividades laboratoriais.
TIC: Desenvolvimento de softwares, sistemas, consultoria em TI (Tecnologia da Informação) e robótica.
De todas as áreas criativas, o setor de tecnologia é o que apresenta o maior índice de remuneração. Isso porque os empregos em Tecnologia se alinham à tendência mundial de digitalização. Afinal, a emergência da economia digital e da indústria 4.0 tem tudo para constituir importante motor de crescimento e de geração de riquezas cada vez em mais setores.
Pelo relatório da Firjan, os profissionais mais numerosos eram engenheiros das áreas de P&D (com 109 mil profissionais), programadores (72 mil profissionais) e gerentes de tecnologia da informação (39.500 profissionais). E as três profissões que mais remuneram também estão atreladas à P&D: geólogos e geofísicos, com salário médio de R$ 16,6 mil; gerentes de pesquisa e desenvolvimento, que ganham em média R$ 14 mil; e engenheiros da área de P&D, que recebem mensalmente em torno de R$ 12 mil.
Porém, por conta da pandemia, especialistas estimam que o mercado de TI foi o mais beneficiado dentro do setor de tecnologia. Segundo relatório da IDC Brasil, o crescimento por esse tipo de profissional aumentou cerca de 6% nos últimos meses e apresenta tendência de crescimento para os próximos anos, com as pessoas utilizando cada vez mais os serviços digitais para realizar tarefas como compras, aquisição de novos serviços, streaming de música e TV, entre outras atividades.
Como funciona a economia criativa no Brasil
Como deu para perceber, os setores de consumo e tecnologia são os mais promissores dentro da economia criativa por estarem mais alinhados à indústria da transformação pela qual passamos.
Após a pandemia de Covid-19, o Brasil viu o setor de comércio eletrônico crescer em ritmo exponencial. Uma pesquisa da Mastercard e Americas Market Intelligence (AMI) identificou que 46% dos brasileiros aumentaram seu volume de compras online durante a pandemia, o que fez com que muitas empresas investissem em mais profissionais dedicados a trabalhar com tecnologia.
Quem ainda tinha dificuldades de fazer qualquer tipo de compra na frente do computador ou celular quebrou essa barreira por conta do isolamento social. Com diversos comércios fechados, muitas pessoas fizeram suas primeiras compras durante esse período. Segundo especialistas, essa primeira compra é importante, visto que muitas pessoas ainda se sentiam inseguras de realizar esse tipo de transação por meios digitais.
Porém, alguns segmentos da economia criativa passaram por maus bocados após 2020. O segmento cultural, por exemplo, foi duramente afetado pela pandemia. Devido às restrições de mobilidade como resultado do isolamento social, diversos shows, apresentações e outras formas de se contemplar presencialmente uma apresentação artística tiveram que ser cancelados.
Para se ter uma ideia, quase 49% dos agentes culturais perderam 100% de sua receita entre maio e julho de 2020, quando houve o pico de isolamento social nas principais cidades do país. Além disso, existe um percentual elevado de informalidade no setor, que contribui para uma incerteza ainda maior: de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 44% dos trabalhadores do setor cultural eram autônomos, sem salário fixo ou carteira assinada.
Com as pessoas mais vacinadas e o vírus mais controlado, a tendência é que shows em locais abertos e outros tipos de evento voltem à programação. E, para evitar ficar em casa após quase dois anos de isolamento social, pode ser que as pessoas queiram sair mais, frequentar os locais, admirar seus artistas e consumir nesses eventos.
Um dos setores mais incrédulos com a retomada é o de artes cênicas, que teve perda significativa de receita no período. Na verdade, um em cada dois profissionais da cultura como um todo perderam o seu trabalho por conta da pandemia.
No total, houve uma queda de 49% de indivíduos trabalhando no segmento: de 659,9 mil profissionais ligados ao setor, o número caiu para 333,7 mil postos, segundo o Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.
Dentro do setor da economia criativa cada vez menos pessoas são registradas como trabalhadores formais. Um tipo de contratação mais difundido entre os profissionais da indústria criativa são as pessoas jurídicas.
Segundo a Firjan, para cada 5 empregados formais criativos, existe uma pessoa jurídica que trabalha formalmente com criatividade. Esse volume é bem superior ao do total da economia brasileira – em que a relação é de 18 empregados para apenas um PJ, segundo dados de 2017.
Esse fenômeno, chamado de ‘pejotização’, é baseado em um regime em que não há nenhum vínculo empregatício entre empregador e empregado. Isso gera menor custo para a empresa mas, por outro lado, gera maior flexibilidade para o trabalhador.
Com menos impostos para pagar para o governo, essas empresas conseguem proporcionar remunerações mais altas aos profissionais. Já o profissional, porém, tem menos direitos trabalhistas e perde diversos benefícios de estabilidade associados à CLT. Além disso, precisa se organizar para pagamento de aposentadoria, impostos e, em alguns casos, até mesmo escritório de contabilidade para lidar com a quantidade de despesas.
Qual é o futuro da economia criativa?
Com o mundo cada vez mais digitalizado, a demanda por profissionais da indústria criativa tem aumentado, principalmente quando observamos o mercado de tecnologia.
Segmentos tradicionais, como varejo e serviços, têm sido cada vez mais impactados pela digitalização. Se antes as pessoas costumavam realizar vendas por meio de contato físico, atualmente diversos sites e produtos digitais têm facilitado a vida dos consumidores.
Nos últimos anos, o e-commerce tem feito com que mais pessoas comprem os artigos dentro de casa (algo que foi bem acelerado por conta do isolamento social da pandemia). Com o aumento de produtos por assinatura, software como serviço (SaaS) e o streaming, que permite assistir conteúdos em vídeo sem a necessidade de uma TV por assinatura, por exemplo, as pessoas têm encontrado novas formas de entretenimento, educação e consumo de conteúdo digital.
Isso fez com que grandes empresas se adaptassem a essa realidade. As principais empresas de varejo, por exemplo, atualmente possuem aplicativo e site e incluem em seu catálogo produtos de pequenos e médios vendedores (modelo conhecido como marketplace).
Novos hábitos e modelos de negócio têm sido criados de forma acelerada nos últimos anos - tudo isso devido ao avanço da tecnologia, à facilidade de criar novos produtos digitais e, principalmente, à construção de novos hábitos, que foram importantes para a adesão de serviços hoje considerados essenciais, como o Uber nas grandes cidades, o Spotify para ouvir música ou a Netflix para assistir às séries favoritas.
Do especialista em produzir conteúdo ao programador que fará com que tudo isso seja possível, a economia criativa vive um ciclo de crescimento, que carece cada vez mais de profissionais qualificados.
Além dos profissionais que tornam a criação possível, um novo tipo de economia sob demanda tem se fortalecido. É aí que entram os motoristas de Uber, os entregadores de serviços como Loggi e iFood, entre muitos outros - todos eles sem vínculo empregatício, o que tem gerado novas discussões sobre os verdadeiros rumos do mercado de trabalho.
Por mais que se tenha uma luz no horizonte, ainda é preciso discutir as relações de trabalho em alguns desses setores. O fato é que a economia criativa veio para ficar e deve se adaptar a novos conceitos tecnológicos, como blockchain e metaverso.
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